quarta-feira, 9 de julho de 2014

Só os amantes sobrevivem?






Só os amantes sobrevivem (Only Lovers Left Alive) é a história de dois vampiros, dois amantes, cujo amor sobreviveu ao tempo e à distância: ela, Eve (Tilda Swinton) e ele Adam (Tom Hiddleston) – significativamente o Adão e Eva de antes da memória.

Há várias coisas irresistíveis no filme de Jim Jarmusch, a começar pela banda sonora, magnífica, depois o tempo – leeeento -, em/com que o filme decorre, e as ambiências, entre o decadente e o fascinante pop culto
Eve vive em Tânger, cuja noite inquietante e sombria percorre para obter o sangue que um outro vampiro lhe fornece; enquanto Adam vive na arruinada Detroit, alimentando-se do sangue que obtém num hospital. Ambos vivem praticamente isolados num passado nem sempre consistente, apenas comunicando com um número restrito de personagens, que lhes fornece o acesso à cultura ou ao alimento.

Adam sente a sua solidão ameaçada pelos zombies e Eve parte para Detroit ao encontro do amante eterno. Os dias correm lânguidos na casa fascinantemente decadente – o passado, o antigo, onde a literatura de Shakespeare se cruza com a Motown-Stax soul music, a pop e os objectos retirados de um passado eterno. Adam acaricia uma Gibson de 1905 (as guitarras eléctricas só foram inventadas nos anos 30 e a Gibson só as começou a fabricar 20 anos mais tarde…), faz a música que outros se atribuíram e recita os poetas enquanto bebe sangue «puro» (em oposição ao sangue conspurcado dos zombies) em vasos de cristal e Eve lê os livros que transportou da enigmática Tânger.

Enfim, o quotidiano é perturbado pela aparição da irmã de Eve, que desencadeia a saída dos amantes, fazendo-os regressar a Tânger, onde a história de precipita. E enfim, observemos, não é por serem amantes, mas vampiros, que sobrevivem.

O fascinante de Só os amantes sobrevivem não é a história. Eu diria mesmo que o filme não precisava da história e o remate de Jarmusch quase o destrói. Se não fosse a imagem magnífica, os corpos, os actores, os amantes, os ambientes, os objectos, as referências, o tempo, a banda sonora fabulosa, Só os amantes sobrevivem seria um filme falhado. Mas claro, há a imagem magnífica, os corpos, os actores, os amantes, os ambientes, os objectos, as referências, o tempo e a banda sonora fabulosa…



(Há uma história desenhada pelo Carlos Barradas, publicada na revista Visão - gloriosa publicação de banda desenhada dos anos 70- intitulada «Viver não custa», creio, onde um vampiro se fazia atropelar para se submeter a uma transfusão de sangue – a história terminava com o vampiro a clamar «é preciso é saber viver». Lembrei-me da história quando estava a ver o Só os amantes sobrevivem de Jim Jarmusch. 

 Só os amantes sobrevivem (Only Lovers Left Alive), Jim Jarmusch, 2014