sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

2023 - 2024

 O balanço de 2023 ainda está por fazer, mas este foi o ano em que o Hot Club fechou (e não se sabe quando reabrirá), o ano em que José Duarte morreu, mas também Philippe Carles e Avelino Tavares, o grande Wayne Shorter, Carla Bley, Ahmad Jamal e Tony Bennet, entre outros, e acabamos de saber que nos deixou também o baterista Tony Oxley.


Mas as notícias no Jazz são irrelevantes quando olhamos as capas dos jornais ou ligamos a televisão: a acrescentar às ditaduras, muitas vezes alimentadas pelos interesses económicos do ocidente civilizado, à fome e à miséria de milhares de milhões e à riqueza pornográfica de outros poucos provocadas pelo liberalismo à solta, e às guerras que se perpetuam, na Ucrânia ou noutros lados do mundo, e enfim a destruição do planeta pela lógica do lucro, onde o ambiente só é importante se for rentável; o Outubro teve um ataque terrorista em Israel e, na sequência, o massacre indiscriminado de civis, homens mulheres e crianças, na Palestina, pelas mãos do governo fascista de Israel. Com a nossa complacência. 


Não quero alongar-me: o terrorismo não tem justificação e não tem a minha. Mas o terrorismo do Estado de Israel começou há muitos anos, e é sistemático, e é Israel que fomenta o terrorismo, e este é só mais um episódio do longo processo de extermínio deliberado do povo palestino. Nada justifica o genocídio, nada justifica o apartheid, nada justifica o massacre de inocentes. Israel tem as mãos sujas de sangue e o Ocidente também; a Europa e os Estados Unidos em primeiro lugar, pelo alheamento, quando não pelo apoio. Os palestinianos não mereciam o genocídio, os judeus não mereciam estes crimes que os perseguirão para sempre, a civilização não precisava de nada disto. 


Alguém falou em barbárie? - pois ela está aí, na Palestina. A esta hora que escrevo, mais umas centenas ou milhares de crianças e homens e mulheres inocentes estarão a ser bombardeados, a morrer pelas balas, pela fome ou pelas doenças que a guerra provocou: é a maldade humana para além do imaginável! E o silêncio do nosso governo, dos governos da UE e da UE, e dos EUA e de todo o mundo, é ensurdecedor. 


Que o massacre de inocentes termine, são os meus urgentes desejos para o 2024. Mesmo se não creia que a guerra vá parar.


E perdoem-me o desabafo. Que tenham um bom ano, melhor que o 2023. Com muito Jazz. E que a música possa unir os povos. Ou como diria John Lennon: All we are saying is give peace a chance

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Presentes de Natal

Este ano tenho sugestões de prendas de natal literárias. E sem delongas, aqui vão elas. 

Mas é Bonito, Geoff Dyer

A minha primeira recomendação é, como propus em JazzLogical, o livro de Geoff Dyer, Mas é Bonito, que já foi aqui objecto de um post antigo, de 2014.
O livro, editado pela Quetzal, pode ter de ser encomendado em virtude da edição ter quase dez anos. Mas ele está disponível na editora, é belíssimo e é um excelente presente.

Relógio de Cuco/ A Caça, Virgílio Martinho

A Companhia da Ilhas tem vindo a editar toda a obra de Virgílio Martinho. Depois de Festa Pública/ Orlando em Tríptico e Aventuras/ Rainhas Cláudias ao Domingo em 2012, e de O Grande Cidadão em 2022, eis que renasce em todo o seu esplendor o Relógio de Cuco, aqui acompanhado de A Caça
Eu descobri o Virgílio Martinho com 18 anos, e se algo tenho a dizer é que pouco escritores conheço com este dom de escrita como o Virgílio. Uma escrita elegante, total, do ponto de vista vocabular ou gramatical, erudita e prosaica, poética, dramática e humorada, escorreita, ritmada, que apetece devorar. Surrealista às vezes e neo-realista culto, ou pelo contrário, Virgílio merece, precisa, ser redescoberto.
As duas histórias são bem diferentes: mais poética e intimista O Relógio de Cuco (por ele foi acusado de neo-realista); divertida e surpreendente A Caça. Acreditem: já não se escreve assim. O livro tem um prefácio de Vítor Silva Tavares, editor da & etc e outro monstro das letras, num texto delicioso publicado em 1995.
 Embora a edição seja recente pode ser mais difícil encontra-la. Nada como pedir à Companhia das Ilhas. 


Santa-Bárbara Capista de Zeca, Abel Soares da Rosa

A minha quarta sugestão é um curioso livro sobre as capas dos discos de José Afonso, profusamente ilustrado, e com as histórias em torno das capas de Santa-Bábara, o capista do Zeca. E assim se chama – Santa-Bárbara Capista de Zeca - a belíssima recolha de Abel Soares da Rosa, com edição da Lusitanian. 




Andanças do Demónio, Jorge de Sena

Andanças do Demónio, recolha de histórias entre os anos 40 e 60 do século passado, é a estreia de Jorge de Sena no domínio da ficção. Histórias fantásticas, demoníacas ou extraordinariamente comezinhas, o livro revela um Jorge de Sena menos conhecido, mas também a sua pena luxuriante, aqui ao serviço da imaginação: «O demónio destas andanças em forma de conto não está em mim, está no mundo (e, com funda pena o digo, não viaja para fora de Portugal, como tanto conviria).» Edição Guerra e Paz.


 
Música negra, Leroi Jones (Amiri Baraka)

 Música negra, de Leroi Jones (Amiri Baraka) é uma recolha de textos publicados nos anos 60, dispersos por revistas da especialidade, tardiamente chegado ao nosso convívio. É um livro datado, mas que ajuda a compreender o fenómeno free-jazz e a influência que ele teve nos nossos divulgadores desse período. Radical nas propostas, a edição contempla um texto mais recente em que o autor admite o excesso dos textos antigos, mesmo reafirmando a sua razão de ser. Prefácio de Kalaf. Edição Orfeu Negro. 





Crónicas de Lisboa, Ferreira Fernandes e Nuno Saraiva

Crónicas de Lisboa é uma banda desenhada sobre Lisboa, nascida a partir de uma conversa com Catarina Carvalho, directora do jornal Mensagem de Lisboa. Com argumento delirante de Ferreira Fernandes e o desenho desbragado de Nuno Saraiva, Lisboa e os lisboetas que a fazem contam as suas histórias ou os autores lhas roubam, e por elas passam a Júlia Florista, o Carlos do Carmo, a Madame Brouillard, a Caparica, o Santo António, como a Catarina Carvalho anuncia logo no prefácio, mas ali entram o Benfica, o clube e o bairro, o Rei Leão Peyroteo, o 25 de Abril, os fascistas e os comunistas, o Rossio e o D. Pedro, o Imperador do Brasil e Rei de Portugal, a Brasileira e o Bartolomeu de Gusmão, o Almirante Reis e o Marquês de Pombal, Josephine Baker e a Dona Maria II, o rock, o fado e os olissipógrafos. Um desvario com edição da Asa.



Histórias de Jazz

E as minhas propostas completam-se enfim, com toda a lata, com as minhas Histórias de Jazz, de que não vale a pena falar mais, até porque delas falei aqui mesmo na semana passada.
Edição da Guerra e Paz.





E tenham um bom Natal, dingalingaling!



domingo, 3 de dezembro de 2023

Histórias de Jazz



Histórias de Jazz são catorze histórias que o jazz inspirou. São histórias intimistas, de amores e desamores desesperados, por vezes escandalosos, de sexo, traição, sangue, suor e lágrimas, amizade, humor, fantástico e poesia. Catorze histórias que evocam músicos, entre Miles Davis, o esquecido Frank Morgan e o irreverente e genial músico de rock Frank Zappa, ou canções que o jazz eternizou, como Jitterbug Walz ou For All We Know.
O livro conta ainda com uma magnífica capa com desenho do ilustrador e desenhador Nuno Saraiva e um excelente grafismo da editora (e está muito bonito). E fui eu que escrevi.

O livro foi editado pela prestigiada Guerra e Paz, e já está nas livrarias, mas pode ser adquirido directamente à editora.


Tintin 77 anos

 

O Tintin, a revista dos jovens dos 7 aos 77 anos faz, faria, 77 anos, e a Le Lombard publicou uma
volumosa edição comemorativa. 400 páginas de evocação e aventura, onde os jovens da minha idade encontrarão nostalgia, mas também algum desencanto. Muitos dos desenhadores já desapareceram, mas também a juventude é irrepetível, mas também muitas das histórias não poderiam ser escritas (e desenhadas) hoje – e enfim percebe-se porque é que a revista terminou. Muito do mundo selvagem que se imaginava – as utopias - desapareceu, por motivos políticos (e na altura viviam-se os restos dos colonialismos), ou porque foram assolados pelo turismo que chegou a todo o lado, ou porque hoje compreendemos que não podemos andar a matar indiscriminadamente animais selvagens; aliás queremos protegê-los; ou porque compreendemos que os índios da Amazónia ou de África têm direito aos seus territórios e nós não somos os inocentes aventureiros que gostávamo-nos de nos pintar. Enfim, nada é simples neste mundo em que vivemos, mas o mundo mudou e hoje sabemos.

Mas esta edição pretende apenas celebrar a nossa juventude e a nossa inocência, e ela está cheia de depoimentos e histórias curiosas desse tempo e de banda desenhada também; de histórias recriadas como foi possível.  

Uma edição para colecionadores nostálgicos.

Só os amantes sobrevivem!



Voltei a ver o Só os amantes sobrevivem (Only Lovers Left Alive) do Jarmusch, e quero mudar a minha classificação.

Que importa o remate final, que importa o demais, quando se tem aqueles actores (quando se tem a Tilda Swinton, e ok.... o Tom Hiddleston), aquele ambiente, a libido sentiendi, e aquela música!

E, mesmo sem emendar o que escrevi sobre o final, este é um grande filme, servido por uma direcção magistral.






Já agora, e porque nunca escrevi sobre ele, o filme de 2019 The Dead Don't Die é uma merda; não há outra forma de o dizer. Percebe-se que é uma paródia aos filmes de zombies e de ficção científica barata, mas é tudo menos conseguido. Não vale a pena perder tempo; no melhor pano cai a nódoa: uma merda.  

A Dona Giorgia

 

Eu até nem queria voltar a este assunto da religião. Mas aconteceu que me enviaram um vídeo da Sra. Primeiro Ministro da Itália, em que ela apela a que se volte a fazer o presépio (creio que em vez da árvore de natal), em nome dos nossos valores e da nossa religião. Nada que não se tenha visto por cá, é claro.

E realmente não deixa de ser curioso. Ela talvez até que tenha razão, sei lá. Mas acho que ela deveria ter cuidado. Porque (e agora aqui vai um insulto misógino: preparem-se) de acordo com os valores dessa civilização que ela evoca, a senhora deveria estar a cozer meias e não a dar bitaites sobre política ou cultura, que é coisa de homens. Porque nessa cultura ela é uma coisa sem coração nem inteligência, mas apenas uma excrescência de uma costela. 

Que a Dona Maria tenha inventado aquela para o marido de que tinha sido fecundada por deus (e que ele tenha engolido), vá que não vá, nós até entendemos. Agora dois mil anos depois pôr-nos a fazer presépios… nossa senhora!!!!

Ó Dona Giorgia, deixe-me dizer-lhe umas coisas: foi porque as mulheres e os homens contestaram essas tretas que nós hoje somos civilizados. Foi porque Galileu questionou essa cultura e religião que a senhora invoca que nós hoje sabemos que a Terra não é o centro do Universo. A nossa civilização está marcada pela religião, mas pela negativa. A nossa civilização foi construída contra e apesar dessa cultura anacrónica, insciente, retrógrada, serôdia.

Não me lixe, Dona Giorgia. Vá cozer meias.


domingo, 6 de agosto de 2023

Bruxarias no século XXI

Bruxarias no século XXI

Eu até acho o Francisco um tipo simpático (se tivermos em conta que o papa anterior era um nazi), mas faz-me confusão que, no século XXI, pessoas que se consideram inteligentes continuem a acreditar em bruxaria e ovnis, tipos que transformam água em vinho e que curam pessoas só de lhes tocar ou de ETs a aterrar em azinheiras.  

Claro que eles até podiam acreditar no que quisessem – afinal estamos num país livre e a democracia é mesmo assim -, mas o problema é que os apóstolos dessas bruxarias se armam em moralizadores e nos regulamentam os comportamentos e os hábitos, interferindo na nossa vida e na nossa felicidade, impingindo-nos culpas e pecados de outros, parasitando o Estado e vivendo à nossa custa, insinuando-se na Escola pública, na televisão e nos media, capciosamente e insidiosamente. 

Bruxarias, não, obrigado. 

terça-feira, 29 de março de 2022

Exposição «O Jazz na Banda Desenhada»

 

Exposição «O Jazz na Banda Desenhada»
Hot Club de Portugal
16 Setembro 2021 a 31 Março 2022

Todos os amantes do Jazz viram o "Cotton Club" de Francis Ford Coppola, o "Bird" de Clint Eastwood ou o "Round Midnight" de Bertrand Tavernier.

Da mesma forma eles sabem que o Jazz atravessa o "On The Road" de Jack Kerouac e Charlie Parker é o protagonista de “O Perseguidor” de Julio Cortazar.

O que menos saberão é que alguns dos mais talentosos autores de BD eram também amantes de Jazz e levaram o Jazz para as suas histórias. Will Eisner, o autor de Spirit, desenhou histórias com Jazz nos anos 40, mas também o Guido Crepax das histórias eróticas de Valentina desenhou o Jazz do Harlem e o Sergio Toppi das histórias fantásticas das Mil e Uma Noites desenhou o Blues.
Da mesma forma os cartunistas Cabu e Siné e os autores underground Robert Crumb e Harvey Pekar eram apaixonados pelo Jazz e levaram o Jazz para as suas pranchas.

E é isso que se pode encontrar na exposição “O Jazz na Banda Desenhada”: o bebop e o blues, Thelonious Monk, Billie Holiday e Charlie Parker, Nova York e o Harlem, o humor e os cartoons do Jazz; em histórias e ilustrações assinados por mais de trinta notáveis autores.

Exposição “O Jazz na Banda Desenhada"

Curadoria de Leonel Santos

Hot Club de Portugal

 

Alguns dos visitantes da exposição indagaram-se sobre a existência no mercado dos álbuns de onde foram retiradas as pranchas expostas.

Aqui vai o que sei:

Cabu in Jazz, Cabu – Não existe em Portugal, mas pode ser adquirido na internet.

Siné Jazzmaniaque, Siné – Idem.

Spirit, Will Eisner, 1943 e 1947 – Peças de colecionador, difíceis de encontrar.

R. Crumb´s Heroes of Blues, Jazz & Country – Adquiri-o em Portugal, e é possível encontrá-lo na internet.

Billie Holiday, Muñoz & Sampayo – Editado em Portugal recentemente.

Nos Bares, Muñoz & Sampayo – Editado em Portugal em 2003.

L´Homme à L’Affût, Julio Cortázar ilustré par Jose Muñoz – Pode ser adquirido na internet.

José Muñoz - Cidade, Jazz da Solidão – Editado em Portugal em 1994. Difícil de encontrar.

Antologia Española del Underground, El Víbora (Antonio Pamies e outros) – Editado em 1981, difícil de encontrar.

JazzBanda 1 e 2 – Foram editados apenas 300 exemplares em 2005 e 2006. Difíceis de encontrar.

Monk!, Youssef Daoudi – Fácil de encontrar na internet. Obrigatório!

Blues, Toppi – Adquiri-o no Amadora BD de há três anos e está disponível na Internet.

L’Homme de Harlem, Guido Crepax – Com as últimas edições internacionais nos anos 80, difícil de encontrar. Talvez em 2ª mão…

A pior banda do mundo, José Carlos Fernandes – Edição de 2 volumes, disponível no mercado nacional. Atenção ao Amadora BD em Outubro.

O Diabo e Eu, Alcimar Frazão – Editado em Portugal, disponível nas livrarias especializadas (e provavelmente também no Amadora BD)

L’improvisateur, Sualzo – Talvez possa ser encontrado nas livrarias especializadas e disponível na internet.

Hate Jazz, Jorge Gonzàlez e Horacio Altuna – Idem.

Barney et la Note Bleue, Loustal & Paringaux – Idem. Também existe uma edição de luxo contendo ainda o LP original, um CD de extras, um livro de fotos e liner notes.

Best of American Splendor, Harvey Pekar e outros – Disponível na Internet (se procurarem bem).

BD Jazz colecção – Os 12 volumes nacionais podem ser encontrados em diversas livrarias e alfarrabistas, e os restantes 50 editados em França, na internet. )


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Lawrence Ferlinghetti

 “Pity the nation whose people are sheep,

and whose shepherds mislead them.

Pity the nation whose leaders are liars, whose sages are silenced,

and whose bigots haunt the airwaves.

Pity the nation that raises not its voice,

except to praise conquerors and acclaim the bully as hero

and aims to rule the world with force and by torture.

Pity the nation that knows no other language but its own

and no other culture but its own.

Pity the nation whose breath is money

and sleeps the sleep of the too well fed.

Pity the nation — oh, pity the people who allow their rights to erode

and their freedoms to be washed away.

My country, tears of thee, sweet land of liberty.”


Lawrence Ferlinghetti


quinta-feira, 30 de julho de 2020

Hello darkness, my old friend

Hello darkness, my old friend
I've come to talk with you again
Because a vision softly creeping
Left its seeds while I was sleeping
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence


Paul Simon

domingo, 11 de novembro de 2018

A decadência da Marvel

Já não há paciência para os filmes da Marvel, e vi-os quase todos. E falo com a autoridade de leitor da Marvel desde há 50!!!! anos. (Já vêem como sou velho.)
Com excepção para o Deadpool II, os últimos filmes são um desastre. E refiro-me ao Thor: Ragnarok, ao Black Panther e ao Avengers: Infinity War.
Os realizadores claramente não perceberam nada do espírito que fez a diferença do universo dos super-heróis, que os fez suplantar a DC do Super-Homem. Os super-heróis da Marvel eram também anti-heróis, com personalidade, que se identificavam com os leitores no sofrimento da adolescência. Tinham namoradas, dificuldades, família, vida quotidiana, as personalidades tinham densidade, e mesmo quando ganhavam, também perdiam. Eram anti-heróis. E não vou repetir o que a sociologia escreveu sobre o Homem-Aranha ou o Hulk.     
Noutro aspecto, os super-heróis da Marvel partiam de uma ficção científica (muito ralinha, convenhamos), mas ainda assim procuravam uma credibilidade científica: o Homem-Aranha andava dependurado em teias (suportado em reais particularidades aracnídeas provocadas, enfim... pela picada de uma aranha radioactiva contaminada num acidente: uma ficção científica muito generosa), enquanto que, pelo contrário, o Super-Homem voa desafiando as leis da gravidade (bom, e anda na rua de cuecas e capa. Alguém notou que numa das histórias do super-herói das cuecas azuis ele se desloca em voo ascensional directo para um helicóptero em queda, segurando-o sem qualquer amortecimento, o que deveria resultar na destruição imediata do helicóptero, como dois objectos que se chocam em grande velocidade).   
Os super-heróis da Marvel procuravam a identificação do (com o) público adolescente, enquanto os super-heróis anteriores, da DC ou outros do tipo Capitão Marvel (que dizia «Shazam» e se transformava) eram heróis distantes. Mesmo os mais poderosos, como o Thor ou o Hulk, e mesmo os Fantastic Four, seguiam de certa forma esta linha.   
A transposição da banda desenhada para o cinema tem decaído progressivamente. Alguns dos Homem-Aranha e um ou outro ainda procuraram recuperar esta identidade, mas a sua maioria descambou.
Já não há paciência enfim, para as histórias em que os super-heróis têm de defender a humanidade, ou mesmo todo o universo. Até mesmo o herói baço que o Pantera Negra sempre foi (um super-herói tardio, que procurava responder ao publicamente correcto, incluindo um super-herói negro - significativamente «Black Panther -, secundando um outro - Falcão -, companheiro negro do Capitão América) foi recuperado da pior forma (e já não falo de alguns pormenores a rasar o racismo - os pretos falam com sotaque de Bronx - e utilizam pedras e poderes mágicos ancestrais) e vive numa terra ocultada por uma neblina (mas isso já vem do Jules Verne e do Edgar Alan Poe, se bem me recordo).      
Mas os Homem de Ferro têm tendência para partir Nova Iorque toda em cada filme, os Avengers passam a vida a invocar monstros do tipo Godzilla ou vão buscar ao Senhor dos Anéis, e os demónios do Thor têm cabeça de bode com cornos e tudo, e são vermelhos e chispam fogo... Só criatividade.
Muita desta inópia virá já dos livros, verdade, mas foi claramente acentuada no cinema. Os últimos filmes da Marvel têm argumentos verdadeiramente indigentes, vivem basicamente dos efeitos especiais, os realizadores desistiram de fazer cinema. Dir-me-ão que se trata do cinema das pipocas, o que será verdade, mas a saga d'O Senhor do Anéis ou os Harry Potter também eram e eram divertidos (eu diverti-me). Estes não. A excepção terá sido talvez a incursão de Thor (no Ragnarok), por momentos, no planeta do lixo, mas o realizador não percebeu a boa história que poderia ter tido aí, e perdeu-se.

O Infinity War foi o culminar desta indigência. A história original já não era grande coisa, mas o realizador deu cabo dela definitivamente. Aquela confusão das pedras mágicas que juntas ofereciam os poderes supremos ao seu possuidor e poderiam destruir o universo; nossa senhora: acabou-se. Para magia temos as histórias do Tolkien e da J. K. Rowling, mas elas tinham coerência em si mesmas. O Infinity War é fogo de artifício e magia de pacotilha: muito mau. (Ou então fui eu que cresci.)

A excepção vai para o Deadpool, o único «herói» com graça. Mas o Deadpool é uma sátira em torno do universo dos super-heróis; um super-anti-herói bronco, mal educado e pouco politicamente correcto.
O Deadpool goza com o universo dos super-heróis, goza com a própria lógica que lhe está subjacente, e é muito divertido. É um filme de super-heróis «para adultos», e diria que se inspira na mesma cultura pop, e possui a mesma lógica, do universo onde vivem os quatro alucinados amigos do Big Bang Theory.  

(Este post já foi escrito há uns largos meses mas, por qualquer razão andou por aí perdido. Aqui vai...)


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Once Upon a Time in the West - cinema no CCB


O CCB tem programada uma série de sessões de clássicos de cinema para o Grande Auditório, à média de uma por mês. Já passou o E tudo o vento levou e o Mary Poppins e estão agendadas coisas como o Aconteceu no Oeste, o Spartacus do Kubrick, o Breakfast at Tiffany´s de Blake Edwards e o West Side Story do Robert Wise.
Ainda, de 10 a 21 de Abril, um ciclo dedicado a Hyeronimus Bosch (que inclui outros espectáculos) leva ao palco, aliás ecran, do
Pequeno Auditório, sete filmes - tantos quantos os pecados capitais: A festa de Babette (Gabriel Axel); Eyes Wide Shut (Stanley Kubrick); La Haine (Mathieu Kassovitz); What Ever Happened to Baby Jane (Robert Aldrich); As férias do Sr. Hulot (Tati); O quarto mandamento (The Magnificent Ambersons) (Orson Welles); O Lobo de Wall Street (Scorcese); e ainda o documentário El Bosco, El Jardín de los Sueños de José Luis López-Linares a 15 de Abril; este último no Grande Auditório.
Mas o Aconteceu no Oeste (Once Upon a Time in the West,1968) é o mais célebre dos Sergio Leone e conta com Claudia Cardinale, Charles Bronson e Henry Fonda no elenco. Ah, e Ennio Morricone na música. É já no próximo domingo, 25 de Fevereiro às 16.00. 
Eu gosto de coboiadas. Esta vai ter um ecran à antiga, dos grandes.   



 

Cinema no CCB:

  • Aconteceu no Oeste, Sergio Leone - 25 Fevereiro 
  • Spartacus, Stanley Kubrick - 1 de Abril
  • Boneca de luxo, Blake Edwards - 31 Maio
  • West Side Story, Robert Wise - 17 Junho
  •  
Ciclo Hyeronimus Bosch (Pequeno Auditório) Os sete pecados capitais:
  • A gula: A festa de Babette (Gabriel Axel) - 10 de Abril 
  • A luxúria: Eyes Wide Shut (Stanley Kubrick) - 12 de Abril
  • A ira: O ódio (Mathieu Kassovitz) - 14 Abril
  • A inveja: Que teria acontecido a Baby Jane (Robert Aldrich) - 16 de Abril
  • A preguiça: As férias do Sr. Hulot (Jacques Tati) - 18 de Abril
  • A soberba: O quarto mandamento (Orson Welles) - 20 Abril
  • A avareza: O Lobo de Wall Street (Scorcese) - 22 de Abril
  • El Bosco, El Jardín de los Sueños de José Luis López-Linares (documentário )- 15 de Abril (Grande Auditório)